Arquipélago celebra Dia da Região na segunda-feira de Pentecostes, sinal da importância desta devoção nas nove ilhas e na diáspora

O cónego Hélder Fonseca Mendes, sacerdote da Diocese de Angra e investigador da devoção ao Espírito Santo nos Açores, considera que a região está “unida” nesse culto.
“Somos uma região autónoma unida por esta pessoa divina, por este elemento congregador que é o Espírito Santo”, disse citado pela Agência Ecclesia, a respeito do Dia da Região, que os Açores celebram anualmente na segunda-feira de Pentecostes.
O entrevistado sublinha que o culto ao divino Espírito Santo é uma das marcas da religiosidade popular açoriana, com celebrações em todas as ilhas que se foram alargando à diáspora.
“Nestes dias toda a gente tem carne, toda a gente tem pão, toda a gente tem vinho”, refere, sublinhando o facto de se prolongar a celebração com vários impérios, ao longo do tempo, permitindo “tirar maior proveito dessa realidade, que muitas vezes era uma forma de combater a pobreza”.
O investigador apresenta esta celebração do Espírito Santo como um “programa social, cristão e cultural”.
“Envolve de tal maneira a vida toda que até podemos dizer que é uma pena não ser todo o ano”, acrescenta.
O sacerdote é autor de uma tese de doutoramento em Teologia Pastoral, intitulada ‘Do Espírito Santo à Trindade, um programa de Cristianismo inculturado’ (2004, Universidade Pontifícia de Salamanca), na qual aborda as origens cristãs do culto ao Espírito Santo nos Açores.
“É muito interessante a própria noção das Irmandades do Espírito Santo, ora como piedade, ora como um serviço social ou de caridade”, refere.
“Isso dá-lhe uma riqueza extraordinária, porque se tem a misericórdia, a caridade e a compaixão, também depois tem a inocência e a piedade, são impérios de inocência, impérios das crianças, enfim, há impérios para todas as modalidades”, acrescenta o pároco da Matriz de Santa Cruz, na Praia da Vitória.
O investigador sublinha que procurou responder a críticas de quem vê no “Espírito Santo popular” um desvio da referência à terceira pessoa da Santíssima Trindade, na doutrina católica.
“O Espírito Santo, como o conhecemos aqui, é o Espírito Santo da Trindade”, sustenta.
O “programa social” promovido por estas celebrações, observa o cónego Hélder Fonseca Mendes, inspira uma “economia de comunhão, economia circular”, que vai ao encontro de todos.
Já no final do século XV está documentada a distribuição do “bodo” ilha Terceira, em dia de Pentecostes, permitindo atestar a longa história daquela que é hoje vista como a maior celebração religiosa e cívica dos Açores.
“Não sabemos, mesmo alguns estudiosos, onde é que começa ou acaba o profano, o religioso, o cultural”, admite o entrevistado.
O sacerdote convida a olhar, no entanto, para as manifestações mais escondidas, em sítios mais distantes dos grandes núcleos populacionais.
“Fui a sítios que, às vezes, nem imaginava que existiam para chegar lá a pé, e de facto é extraordinário. Ver a casa preparada de uma família com um quarto para o Espírito Santo, depois com outro quarto para brindar as pessoas que vão visitar o Espírito Santo para rezar com a família”, relata.

O especialista fala num “Pentecostes prolongado”, que se estende até à solenidade da Santíssima Trindade e mesmo ao Corpo de Deus; além do feriado regional, na segunda-feira do Espírito Santo, nas ilhas do triângulo – Pico, Faial e São Jorge – a terça-feira é um dia festivo.
“As festas do Espírito Santo nos Açores possuem uma estrutura tradicional comum, mas apresentam bastantes variantes entre as várias ilhas do arquipélago e, dentro da mesma ilha, entre os vários Impérios”, refere o cónego Hélder Fonseca Mendes.
A entrevista assinala ainda o “movimento atlântico” que fez dos portugueses “missionários do Espírito Santo no mundo”.
Para o entrevistado, o regresso dos emigrantes é um fator importante para a persistência das manifestações populares no território açoriano.
“Uma das razões da permanência do culto do Espírito Santo nos Açores, nalgumas ilhas, é o papel dos imigrantes, que voltaram para uma promessa ao Senhor Espírito Santo”, refere, admitindo que é possível ver “influências” da vivência nos EUA, por exemplo, como as “rainhas”.
O sacerdote rejeita ainda a oposição entre o Império e a Igreja, assinalando que, embora a construção do império não seja uma decisão da hierarquia, “o padre é sempre o bem-vindo em todos os momentos da festa”.
O Decreto Regional n.º 13/80/A, de 21 de agosto, fixa a segunda-feira do Espírito Santo como Dia da Região Autónoma dos Açores.
“As celebrações são tão espontâneas, tão vividas e tão intensas que a natureza das coisas como que impõe um inevitável descanso no primeiro dia útil que se lhes segue. Porque é o mais popular dos dias de repouso e recreio em toda a Região, entende-se justo consagrá-lo como afirmação da identidade dos açorianos, da sua filosofia de vida e da sua unidade regional – base e justificação da autonomia política que lhes foi reconhecida e que orgulhosamente exercitam”, pode ler-se.
(Com Ecclesia)