A Eutanásia em questão

Por D. João Lavrador, bispo de Angra

A Constituição da República Portuguesa, no artigo 24, nº 1, afirma que «a vida humana é inviolável». Deste modo, coloca-se na linha do progresso cultural e civilizacional que caracteriza a evolução história da humanidade sobretudo no denominado Ocidente.

A vida humana é um dom que cada pessoa recebe sem que para isso lhe tenha sido perguntado sobre a sua vontade. Como tal, é um valor fundamental e fundante de todos os outros valores. Não se poderia referir a verdade, o bem, o belo, o amor ou a liberdade, se estes não se alicerçassem na vida e não concorressem para a dignificar.

Mas a referência mais profunda da dignidade da vida está no amor. Vivemos por que alguém nos ama e sentimos em nós o nobre impulso para o amor. Deste modo, reconhecemos a teia de relações humanas que a vida provoca de tal modo que a vida de alguém está interdependente com todos aqueles que ama.

Pertence ao Estado e ás diversas organizações da sociedade a defesa e a promoção da vida e não o contrário. Mais ainda, quando a vida está mais débil maior protecção exige de modo que o que falta à pessoa lhe seja dada pela sociedade, desde a família até às diversas instituições.

A dignidade da pessoa nunca poderá ser alcançada pela sua eliminação. Muito pelo contrário, a dignidade da vida humana exige atenção redobrada em tempos de sofrimento e de solidão. Por isso, criar condições familiares, promover instituições de acompanhamento das pessoas que necessitem de maiores cuidados e intensificar os cuidados paliativos, a nível médico, são exigências de uma sociedade que se queira pautar pelo verdadeiro humanismo.

Argumentar com a liberdade ou autodeterminação pessoais face  ao dispor sobre a vida choca com o que deve ser o exercício destes valores na sua inter-relação com a verdade, com o bem, com o amor e com o sentido pleno da existência humana que deve encarar também o enigma do sofrimento.

O sofrimento humano é um grito de vida, a clamar perante a sociedade que ajude alguém a viver e nunca é um pedido de morte.

A missão do profissional de medicina é procurar continuamente os meios mais aptos para valorizar, defender e promover a vida. Nunca se poderá colocar ao serviço da morte e para criar melhores condições no alivio ao sofrimento. A morte acontecerá de maneira natural.

A humanidade de hoje, no contexto de oportunismos políticos e de conveniências sociais e económicas, perdeu a referência a uma razão forte capaz de nortear a pessoa humana no verdadeiro sentido da vida que se deve integrar numa civilização do amor, limitando-se a ceder a uma cultura da morte e do vazio.

Na verdade é duma antropologia autêntica que se trata e para tal importa olhar a pessoa humana na abrangência do que ela é e do que poderá vir a ser para não ficarmos a decidir em contextos nada oportunos e parcelares da existência.

O Papa Francisco oferece-nos uma bela síntese para um autêntico compromisso social ao dizer que «exige-se uma preocupação pelo meio ambiente, unida ao amor sincero pelos seres humanos e a um compromisso constante com os problemas da sociedade» (LS, 91). E, acrescenta «se a crise ecológica é uma expressão ou uma manifestação externa da crise ética, cultural e espiritual da modernidade, não podemos iludir-nos de sanar a nossa relação com a natureza e o meio ambiente, sem curar todas as relações humanas fundamentais» (LS, 119).

Quando se quer dignificar a pessoa humana nunca se poderá ir pelo caminho da morte que já não tem retorno, mas pelo contrário, teremos de lançar-nos no caminho da vida que terá de ser percorrido em conjunto, de mãos dadas e, então, reconheceremos que o sofrimento se integra no itinerário da vida.

Scroll to Top