A propósito do Museu de Arte Sacra da Horta

Por Monsenhor António Saldanha e Albuqerque

A memória colectiva de um povo está escrita na sua arte. Muito antes de qualquer escultura, o ser humano pintou as suas mãos. Antes de a escrita surgir, nasceu o símbolo. Antes da palavra, o gesto.

Reunir o passado em linguagem artística é um dos melhores veículos para lá tornar e para regressar ao presente consciente de uma identidade e perspetivar o futuro.

Um Museu é obviamente um dos melhores espaços para reunir, proteger e partilhar o que de mais delicado e expressivo pode realizar a mente e trabalhos humanos.

A inauguração do Museu de Arte Sacra da Horta no final deste mês de Maio é um sonho finalmente alcançado após décadas de impasses, avanços e recuos e que vem preencher um espaço e uma proposta cultural ontem ocupada pelo extinto Museu de “Arte Sacra e Etnografia Religiosa da Cidade da Horta” de que foi inspirador e primeiro director Mons. Júlio da Rosa.

A Horta vê assim acrescentar à beleza da sua baía e do seu casario, outra clave estética.

Não será um depósito de coisas velhas, nem um armazém dedicado a naturezas mortas, como depreendi da recente entrevista do seu Director e um dos principais arquitetos desta inauguração, o Padre Marco Luciano Carvalho. Não é um sepulcro de quinquilharias, mas uma voz do passado que acorda e torna a falar aos faialenses e a quantos visitarem a cidade da Horta.

O património artístico da Horta como de resto nos Açores e sejamos sinceros, na Europa, inspirou-se até há relativamente pouco tempo no cristianismo. Esta fé como um camaleão mutou-se em múltiplas expressões e falou aos homens e mulheres através da pedra, da tinta, da tela, da madeira, do tecido, da escrita e das notas da música.

Conhecer os códigos do cristianismo ajuda a interpretar o acervo artístico que agora é de novo disponível para quem visitar o Museu de Arte Sacra. Quem os desconhece ou esqueceu, tem oportunidade de se reaproximar de uma mensagem que ali se exprime em peças de arte que datam desde os séculos XVII aos inícios do XX.

Um museu desta natureza tem, pois,  inegáveis potencialidades de por si mesmo, catequizar sensibilizando os seus visitantes através dos cânones da beleza artística, que revelam aspectos da mensagem cristã nas esculturas e demais peças, que de outro modo permaneceriam escondidos para quem se desabituou de ler os Evangelhos.

Julgo que poderá entrar na rota dos museus europeus o espaço que agora se inaugura, permitindo a quem nos visitar, conhecer não só paisagens únicas, mas também usufruir de uma importante parcela do património que nos legaram os nossos antepassados.

Com as minhas felicitações junto os votos de que o novo espaço possa também ser um pretexto para se discutir de novo a recuperação da igreja de São Francisco e a sua Capela dos Terceiros Franciscanos, hoje custódia e propriedade da Santa Casa da Misericórdia da Horta e que precisa de apoio e incentivo para se efectivar um restauro que jaz há décadas em projectos.

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