Dignidade(s)

Por Carmo Rodeia

Para o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), a dignidade é o valor de que se reveste tudo aquilo que não tem preço, ou seja, que não é passível de ser substituído por um equivalente.

Dessa forma, a dignidade é uma qualidade inerente aos seres humanos enquanto entes morais e éticos. E, por isso é totalmente inseparável da autonomia para o exercício da razão prática.

Vem isto a propósito da divulgação do manifesto do movimento cívico “Direito a morrer com dignidade”,  durante o fim de semana.

Da lista de signatários destacam-se, entre outros, a ex-ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, o antigo presidente da Câmara do Porto, Rui Rio, e Sobrinho Simões, que foi recentemente classificado pelos seus pares como “o patologista mais influente do mundo”.

O manifesto fala do direito à morte assistida e inclui a eutanásia (o médico administra o fármaco letal) e o suicídio medicamente assistido (é o próprio doente a tomar o fármaco), em nome de “uma expressão concreta dos direitos individuais à autonomia, à liberdade religiosa e à liberdade de convicção e de consciência, direitos inscritos na Constituição”.

O texto define, aliás, a morte assistida como o ato de, em resposta a um pedido do próprio – informado, consciente e reiterado – antecipar ou abreviar a morte de doentes em grande sofrimento e sem esperança de cura.

“É um direito do doente que sofre e a quem não resta outra alternativa, por ele tida como aceitável ou digna, para pôr termo ao seu sofrimento”, lê-se no manifesto. É, sintetiza, “uma última liberdade, um último pedido que não se pode recusar a quem se sabe estar condenado”, refere ainda o documento.

“O direito à vida faz parte do património ético da Humanidade e, como tal, está consagrado nas leis da República Portuguesa” defendem os signatários. “O direito a morrer em paz e de acordo com os critérios de dignidade que cada um construiu ao longo da sua vida também tem de ser”, concluem sublinhando que é “imperioso acabar com o sofrimento inútil e sem sentido, imposto em nome de convicções alheias”.

Na prática, a grande virtude que resulta da divulgação deste manifesto, que não deixa de revelar uma certa tendência da sociedade para privilegiar uma cultura do indivíduo, é mostrar que em democracia não há tabus. Mas, a democracia exige esclarecimento rigoroso, sensato e desapaixonado, ideológica e emocionalmente falando.

Julgo que o problema é muito sério para ficar na esfera de competência do parlamento e não veria com maus olhos uma iniciativa que culminasse num referendo. Por se tratar de uma questão que tem a ver com os valores que privilegiamos numa sociedade e não uma medida legalista, baseada em fundamentos político ideológicos.

O sofrimento e a morte são experiências tão abruptas, tão incalculáveis, que não há palavras, só lágrimas. E, é bom de ver que a Eutanásia não acaba infelizmente com o sofrimento; apenas põe termo à vida da pessoa que está doente.

Por outro lado, a questão está longe de ser confessional, por mais que todos nós crentes e não crentes possamos perguntar porque é que Deus permite, por vezes, tamanho sofrimento.

É uma pergunta recorrente que os crentes também fazem. E a resposta para muitos está precisamente na fé,  que se reconstrói e se reconfigura, perante o sofrimento, do próprio e de quem está à sua volta. Porque no meio do silêncio de Deus temos em Cristo um exemplo de vida, de vida eterna e de esperança. Como uma espécie de consolação. Para quem sofre e vê sofrer.

Mas a Eutanásia também terá pouco a ver com isto.

A nossa sociedade precisa ser ajudada a curar-se de todos os atentados à dignidade da vida, ousando uma mudança interior, que se manifeste também neste testemunho, a favor de uma cultura de vida,  com dignidade na doença, concerteza…que se garante através de uma boa rede de cuidados paliativos, que infelizmente não existe. E, isso sim, resulta de uma opção política. Quem sabe fosse preciso um manifesto para penalizar quem se esquece disto…

 

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