Mensagem do Papa para as comunicações sociais é “lúcida e realista” e desafia os jornalistas a “repensarem a forma como contam estórias”

Lília Almeida é jornalista da Antena 1 Açores e reflete sobre o texto de Francisco

A Mensagem do Papa para o 55º Dia Mundial das Comunicações Sociais, com o tema “Vem e verás”, é um desafio para todos os comunicadores, desafiando-os a questionarem a lógica de funcionamento do jornalismo, afirma Lília Almeida, jornalista da Antena 1 Açores.

A jornalista sublinha que o Papa Francisco toca numa ferida aberta nas redações, que se confrontam com a falta de recursos humanos, financeiros e o ritmo frenético da informação diária.

“É uma realidade com a qual convivo todos os dias por falta de verbas, de recursos humanos, de meios e porque o ritmo da informação- dar na hora- assim o determinam” refere numa entrevista ao programa de rádio Igreja Açores.

“Hoje, a prática dominante é o jornalista fazer a informação a partir da sua secretária, receber a informação através das agências, do governo, das instituições e das redes sociais e transformar esses dados em notícia rápida, pouco mastigada porque o importante é que a notícia saia rapidamente” avança lembrando que esta informação “é pouco refletida” e “sem cheiro a local”.

“A  informação que produzimos é pouco diversificada” acrescenta afirmando que ao ler esta mensagem “não podia concordar mais: é uma visão muito lúcida e realista e revela uma preocupação sincera do papa sobre a realidade concreta que nos deve tocar a todos”, diz.

Francisco lançou no último dia 23 a mensagem para o 55.º Dia Mundial das Comunicações Sociais (16 de maio de 2021), que  tem como tema ‘«Vem e verás» (Jo 1, 46). Comunicar encontrando as pessoas onde estão e como são’.

O texto desafia os media a sair das redações para ir ao encontro do “mundo real”, particularmente em tempo de pandemia.

Lília Almeida destaca o facto do Papa alertar para a necessidade de o jornalista gastar a sola do sapato para ir ao local e fazer a noticia apartir da informação recolhida olhos nos olhos com as fontes e daí construir a sua estória.

Numa sociedade hiperdigital, com meios disponíveis 24 horas por dia, sete dias por semana, há uma necessidade permanente de alimentar os caudais informativos que nem sempre se traduz numa boa informação e numa informação com novidade.

“Cada vez menos há estórias porque as empresas não têm tempo nem recursos. A reportagem e  a entrevista perdem espaço em prol da informação diária porque há um noticiário para por no ar e há um jornal para encher. O mesmo jornalista pode fazer mais coisas a partir da sua secretária do que deslocando-se ao local” avança ainda.

“Como há poucos recursos,  todos são canalizados para a informação diária. Hoje é muito difícil as redações alocarem meios para a investigação, para a reportagem e às vezes nem é uma questão de dinheiro, apenas, mas sim de recursos”.

“Esperamos que as coisas possam mudar e que esta pandemia nos ajude a retomar aquilo que é normal: Informação mais local,  que conte estórias de pessoas. No fundo,  informação que procura a verdade, que vai à rua, ouve as pessoas, que não tira conclusões precipitadas nem juízos de valor”, salienta.

A mensagem papal adverte também para os riscos de manipulação da informação nas plataformas digitais.

“É uma lição para todos independentemente de serem católicos ou não. O apelo do Papa para os jornalistas fazerem uma informação mais verdadeira e a chamada de atenção para as notícias falsas, sobretudo que circulam na internet e que podem ser fonte de trabalho para os jornalistas deve ser algo para levar a sério”, refere.

“Hoje qualquer um pode ser , e é , contador de estórias e o Papa pede para termos em atenção esse detalhe que pode depois inquinar o debate” acrescenta Lília Almeida.

Na entrevista ao programa de rádio Igreja Açores, que foi para o ar este domingo na Antena 1 Açores e no Rádio Clube de Angra, a jornalista fala da “paixão” que se deve ter nesta profissão, da “curiosidade” que deve ser alimentada e do inconformismo que deve ser um convite à desinstalação.

“Esta mensagem convida-nos a refletir sobre o nosso próprio comodismo, o que eu quero ser como jornalista”, conclui.

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