“Não estou a morrer mas sinto-me triste por não ter acordado mais gente”

Por Igreja Açores

Monsenhor Caetano Tomás completa hoje 90 anos. Natural das Flores, foi sempre um homem do mundo. Defende uma mudança pela ação

Nascido na ilha das Flores, a 12 de Setembro de 1924, Francisco Caetano Tomás é um homem do mundo, sentado na sala, em casa, onde fala “com muita gente” e ouve percursos e desabafos de quem o procura.

O ambiente é simples mas carregado de memórias, entre fotos e livros. Do passado recorda o que não fez; olha sobretudo para o presente, que ainda é seu, deixando pistas para “acordar” os cristãos mais distraídos.

Aos 90 anos, que se completam hoje, os amigos associam uma homenagem com uma Eucaristia na Igreja da Conceição, em Angra do Heroísmo. Segue-se um jantar. “Vou dizer-lhes que ainda não estou a morrer mas que estou triste por não ter feito mais”.

O ato de contrição soa a pedido de desculpas, permanentemente, ao longo da entrevista.

Monsenhor Caetano Tomás, como é conhecido, completou os seus estudos iniciais no Seminário Episcopal de Angra, na ilha Terceira, tendo de seguida estudado em Roma, de 1947 a 1954, na Pontifícia Universidade Gregoriana, onde se licenciou em Teologia e Filosofia e onde foi ordenado. Fez também alguns cursos de Matemática, Física e Métodos Científicos na Universidade de Roma.

Regressou aos Açores em 1954, fixando-se em Angra do Heroísmo, onde iniciou a sua carreira de docente no Seminário Episcopal de Angra.

Foi também docente, de Psicologia, na Escola do Magistério Primário de e na Escola Superior de Enfermagem , ambas em Angra do Heroísmo.

Para além da sua atividade docente, destacou-se na introdução do aconselhamento psico-social, especialmente em matérias matrimoniais e de família, no âmbito da ação pastoral da Igreja, no âmbito da qual foi nomeado cónego da Sé Catedral de Angra e distinguido com o título eclesiástico de monsenhor.

Em 1980 passou a ser o responsável pelos Cursos de Preparação para o Matrimónio, foi capelão de São Gonçalo, da casa de Saúde de São Rafael e “pregou” no Bairro do Lameirinho.

Hoje vive de forma diferente mas nunca desliga o telefone. Atende rápido e está sempre pronto “para uma boa conversa”.

O Sítio Igreja Açores visitou-o para falar da igreja de hoje, em dia de aniversário, a 12 de setembro de 2014. Republicamos hoje esta entrevista, das últimas que concedeu a um orgão de informação, em jeito de homenagem.

 

Agência Igreja Açores- O Senhor comemora o seu 90º aniversário. Esses olhos veem a vida de forma diferente. Em que medida?

Pe Caetano Tomás- Olho para trás e penso que poderia ter feito melhor, poderia ter feito mais. Aliás o que me passa mais vezes pela cabeça é que eu deveria ter ido mais de casa em casa, apresentar Jesus Cristo, falar dele. E nunca cheguei a fazê-lo: esta é a minha maior falha porque acredito que a evangelização se faz pela ação e não fiz toda a ação que deveria ter feito.

 

Agência Igreja Açores- E não fez porquê?

Pe Caetano Tomás- Porque foram aparecendo outras coisas e porque não fui suficientemente persistente. Por isso considero que isso é uma falha.

 

Agência Igreja Açores- Mas ainda pode fazê-lo…

Pe Caetano Tomás– Para mim já é um bocadinho tarde. Há um tempo para tudo. Eu ainda ando na rua, falo com muita gente e isso faço-o com o mesmo entusiasmo, mas já me faltam outras forças…

 

Agência Igreja Açores- Concretamente o que é que não fez que gostaria de ter feito?

Pe Caetano Tomás- Conhece os vendedores ambulantes, que vendem livros de porta em porta? Era isso que eu gostava de ter feito: ir de porta em porta apresentar Cristo. Não o fiz por preguiça, porque iam surgindo outras prioridades… esta é uma falha grave.

 

Agência Igreja Açores- Estende-a à Igreja?

Pe Caetano Tomás- É difícil responder a essa questão. Eu não julgo os outros; o que lamento é a minha falta de forças.

 

Agência Igreja Açores- Vê então com bons olhos as propostas de orientação pastoral para o próximo ano, nas quais o Senhor Bispo de Angra exorta a Igreja a ir para o terreno…

Pe Caetano Tomás- Sem dúvida, nesse aspeto sim. É preciso irmos ao encontro dos outros…até porque as pessoas estão inebriadas pela cultura do pronto a vestir e esquecem-se dos valores cristãos. Eu sinto-me culpado por não ter feito mais coisas para impedir esse avanço.

 

Agência Igreja Açores- Hoje o número de católicos aumentou em todo o mundo, mas nos países originalmente católicos está a diminuir. Como é que se explica isso?

Pe Caetano Tomás– Como em tudo na vida há sempre processos que acumulam algumas negatividades. E, no caso, da igreja católica essas negatividades também se foram acumulando e as pessoas foram julgando e foram-se afastando. As pessoas cansaram-se das exigências, da falta de flexibilidade e isso afastou-as da igreja. As pessoas estão fartas de tanta exigência e afastam-se. O catolicismo ocidental retrocedeu, tem menos fieis e, se quer que lhe diga, acho que é altura de pormos a mão na consciência e arrepiarmos caminho.

 

Agência Igreja Açores- O que é que falhou, então? A hierarquia?

PE Caetano Tomás- Mas quem é a hierarquia? Não espero por ela para que haja ação católica. Espero é que os cristãos se mobilizem. Essa é que deve ser a atitude.

 

Agência Igreja Açores- O Papa Francisco advertiu no sentido de não se esperar pelas decisões do Vaticano; é necessário agir. Há condições para isso?

Pe Caetano Tomás-  Com certeza, há cada vez mais leigos formados e informados.

 

Agência Igreja Açores- O “Encontro” proposto pelo Papa Francisco é uma saída?

Pe Caetano Tomás- Sem dúvida, é uma das saídas… agora é preciso alterar a pastoral e agilizar melhor. Por exemplo, é preciso levar às pessoas doutrina, explicar quem era Jesus Cristo, o que é que ele queria de nós. Eu fiz algumas dessas ações, mas foram poucas e hoje faz-se pouco.

 

Agência Igreja Açores- Os cristãos acomodaram-se?

Pe Caetano Tomás– Quando era professor dos seminaristas  estava sempre a motivá-los para essa ação.

 

Agência Igreja Açores- O Senhor foi co responsável pela formação de muitos sacerdotes. Como é que vê a formação hoje em dia?

Pe Caetano Tomás– O Seminário tem tido uma ação importante, sobretudo num tempo difícil, em que as pessoas estão viradas mais para o hedonismo. Considero que a ação do Seminário até tem sido heroica. Agora reconheço que alguns sacerdotes possam ter os horizontes mais limitados.

 

Agência Igreja Açores- Como é que olha hoje para a diminuição do número de alunos e de vocações?

Pe. Caetano Tomás – Com franqueza não me inquieta muito. A vida da Igreja passa pelos sacerdotes mas passa, sobretudo, pelos leigos e há muito trabalho de leigos já feito e bem organizado. É óbvio que é preciso que existam sempre vocações e temos de fazer alguma coisa por isso, mas dentro da igreja, o trabalho do sacerdote pode ser ampliado e desenvolvido pelos leigos. É preciso é que os sacerdotes percebam isso e ajudem permanentemente nessa formação.

 

Agência Igreja Açores- o Ensino é melhor ou pior que no seu tempo?

Pe Caetano Tomás- Não sei, nem faço ideia. O que consigo perceber é que faltam estímulos, falta ação….embora o número de cristãos não tenha diminuído. De resto, julgo que os próprios cristãos sentem a necessidade de inovar a forma de fazer pastoral. Se isso é facilitar o encontro então eu estou lá.

 

Agência Igreja Açores- Mas trabalha-se bem na igreja?

Pe Caetano Tomás- Como em tudo na vida há bons e maus resultados…

 

Agência Igreja Açores- O que é que está a faltar, então?

Pe Caetano Tomás- Um pouco mais de paciência, menos cansaço e mais entusiasmo na ação ao domicílio. Eu ainda cheguei a fazer isso, mas era o único. Nós íamos de casa em casa, com gente formada na ação católica para este trabalho. Hoje não há pistas e não há paciência. Ora, este é um trabalho de grupo de toda a igreja. Não é um trabalho do grupo A, B ou C, mas é de todos os cristãos, todos os batizados…

 

Agência Igreja Açores- Os leigos açorianos são bem preparados?

Pe Caetano Tomás- São como todos. Há bons e maus leigos, tal como há bons e maus padres. O essencial é que todos saibamos quem é Jesus Cristo, o que é que ele fez, que igreja fundou. È preciso que cada cristão perceba que é um evangelizador e que deve transportar sempre consigo a mensagem do Evangelho.

 

Agência Igreja Açores- Há mais de 20 anos houve um congresso de leigos na diocese. Desde então as formações têm sido pontuais. Isso tem penalizado a ação?

Pe Caetano Tomás– Não gosto de congressos; prefiro a ação pessoal. É assim que se acordam as pessoas. Já acordou alguém com a sua ação? Não há nada melhor.

 

Agência Igreja Açores- Como é que se usa esse “ despertador”?

Pe Caetano Tomás- De uma forma muito simples. O Cristianismo é anunciado e tem que ser ensinado. Antigamente os pais ensinavam-nos algumas coisas. Mas, depois é preciso alargar e a grande pergunta preparatória é “O que é ser Cristão” e depois “quem é Cristo” e por aí fora. O encontro é isto : é sair, de porta em porta e estar disponível para falar com as pessoas. Perguntar-lhes se sabem quem è Cristo e a partir daí desenvolver a conversa: Cristo é o filho de Deus feito homem; sabemos isso porque ele nos ensinou através do Evangelho; seguimos Cristo praticando , orando, refletindo…

 

Agência Igreja Açores- Mas hoje não há tempo para perguntas. É mais fácil ir à igreja e “despachar” o cristianismo numa missa…

Pe Caetano Tomás- Também não quero dizer isso. Ir à missa é importante. Participar verdadeiramente na Eucaristia é fundamental. A passividade e a falta de compromisso a que se refere não é exclusiva do cristianismo; é antes uma marca identitária das nossas sociedades a todos os níveis. Vivemos hoje uma enorme passividade social. As pessoas não participam em nada. Ora,  se o Cristianismo depende do anúncio e só nós não temos disponibilidade para essa ação, falhamos…Por isso, é que eu dizia no inicio que esta é, para mim, a grande falha. Precisamos de acordar mais gente!

 

Agência Igreja Açores-  O que é que vai dizer hoje aos que o vão homenagear?

Pe. Caetano Tomás– Essencialmente que não estou a morrer mas que estou triste por não ter feito mais e melhor. A minha ação missionária foi muito incompleta… De resto, não tenho grandes remorsos porque também tenho consciência de que fui fazendo o que podia e o que sabia em cada momento. É verdade que durante um tempo entreguei-me à realização de muitas coisas laicas. Ensinei no liceu Religião e Moral, mas mesmo aí procurei usar a ação no mundo para ensinar Cristo, mas não devo ter dado o suficiente. Não estou contente com o que fiz, mas pronto… este descontentamento acompanha-me e desgosta-me.

 

Agência Igreja Açores- Se hoje tivesse de dar uma aula a futuros sacerdotes, o que é que lhes dizia?

Pe Caetano Tomás– O mesmo de sempre. Cristo quis que houvesse sacerdotes. Instituiu o cristianismo com sacerdotes e mandou celebrar a Eucaristia e os sacramentos e que saíssem para pregar. Isto é preciso ser feito, antes de tudo. Todo o batizado é capaz de fazer isso, mas a alma, o impulso vem do sacerdote…e isso ninguém pode fazer por ele, o sacerdote é o primeiro responsável.

 

Agência Igreja Açores- Como vê as intervenções do Papa Francisco? Sente-se próximo dele?

Pe Caetano Tomás-  Não tenho seguido tudo, mas sinto-me identificado com ele, tal como com outros Papas. Admirei muitos mas nenhum deles me marcou especialmente. Cada um tem o seu carisma, mas eu não estou à espera do Papa para ser igreja.

 

Agência Igreja Açores- O Senhor viveu o Concílio, certamente com muito entusiasmo. Este Papa regressou muito ao Concílio…

Pe Caetano Tomás- Não vivi com grande entusiasmo…o meu entusiasmo vem da ação. Não acredito que a vida cristã se impulsione com grandes reuniões e conclaves.

 

Agência Igreja Açores- Mas é preciso refletir e orientar…

Pe Caetano Tomás- Sem dúvida, mas eu há muitos anos que digo que bastaria que o Papa escrevesse anualmente meia folha. Seria mais que suficiente. O resto é aquilo que eu costumo dizer: são masturbações espirituais. Quatro ou cinco frases do Papa distribuídas por todas as igrejas era mais do que suficiente.

 

Agência Igreja Açores- Esta á dizer que há palavras a mais e ação a menos?

Pe. Caetano Tomás- O que estou a dizer é que o Papa tem uma função de orientação, mas cada cristão tem de agir e não ficar á espera que outros ajam por si. Cada um de nós tem que tomar o seu lugar, na família, na igreja, na rua, independentemente dos pontapés de saída do Papa. Na guerra, os tiros têm que ser certeiros, o inimigo está de um lado e nós temos de lhe acertar e não o conseguimos se atirarmos para o lado. É isso que temos estado a fazer.

 

Agência Igreja Açores- Como é que vê hoje a família?

Pe Caetano Tomás- A família depende de cada um dos seus membros e depende, sobretudo, do que cada um faz para que a família funcione. É como uma comunidade paroquial que é composta pelo sacerdote, pelos leigos, pelos batizados… todos têm que se articular e fazer um bocadinho, senão nada funciona.

 

Agência Igreja Açores- Como é que a sociedade vê hoje os padres?

Pe Caetano Tomás- Os padres não contam. Contam é na paróquia e aí têm mesmo que contar porque é aí que são necessários.

 

Agência Igreja Açores- Está a dizer que a sociedade deixou de os valorizar?

Pe Caetano Tomás- A sociedade é laica, está preocupada com as coisas materiais e por isso não liga aos padres. Mas isso não tem nada de mais, é apenas um sinal da mundanização a que temos assistido, nada de especial. A nossa sociedade hoje vive centrada no ter, no uso, no disfrutar, não tem tempo para as coisas espirituais. Estas servem essencialmente para serem criticadas.

 

Agência Igreja Açores- Em vez de falar do Papa era importante falar de Cristo?

Pe Caetano Tomás- É… as nossas atenções andam desviadas do essencial, do concreto. Por isso é que não há encontro.

 

Agência Igreja Açores- A igreja de Cristo está viva nos Açores ou vive uma ameaça real do laicismo, como noutras paragens?

Pe Caetano Tomás- Não é uma ameaça é um facto. E isso tem de ser olhado não pela hierarquia mas por quem é verdadeiramente cristão. Não há uma crise, o que há é um esquecimento…falta muita prática religiosa. Parece que as pessoas se esqueceram da importância da Eucaristia, da oração… basta que se recordem disso. Somos cristãos, católicos e pertencemos à igreja. Isso obriga-nos a uma certa prática que está esquecida… era preciso lembrar isso.

(12 setembro de 2014)

Scroll to Top