Nas asas douradas do Espírito

Por que desce o Espírito Santo sobre Jesus, no Baptismo, «como uma pomba» (ὡσεὶ περιστερὰν, Mt 3:16; Mc 1:10; Jo 1:32), ou, no dizer de Lucas, «em forma corporal, como uma pomba» (σωματικῷ εἴδει ὡσεὶ περιστερὰν, 3:22)?

Os filhos de Israel comparavam-se a uma «pomba» ou uma «rola». No Salmo 74:19 pede-se a Deus que não entregue à «fera», aos inimigos, a vida de sua «rola» (תּוֹר); Oseias sublinha a ingenuidade dessa «pomba» (יוֹנָה) perante as «seduções» políticas do Egipto e da Assíria (7:11). O Cântico dos Cânticos, poema das «núpcias» de Deus com Israel, sua amada, contempla a noiva como «pomba sem defeito» (יוֹנָתִי תַמָּתִי, 5:2).

Segundo o Talmud Babilónico (Shabbat 130a), este animal indefeso protege-se de modo surpreendente: enquanto as outras aves, quando exaustas, repousam sobre rochedos e árvores, ficando à mercê de predadores, a pomba cansada imobiliza uma asa, descansando-a e voando apenas com a outra; e assim vai revezando as duas. Daí que o Salmo 68:14 refira que as asas da pomba se cobrem «de prata» e suas penas, «com o brilho do ouro».

De acordo com esse Talmud, as asas da pomba, que a protegem de tudo, nomeadamente do «sofrimento», representam os Mandamentos: «Deve-se cumprir os Mandamentos, para que não aconteça nada de mau.» Assim, até os mais fracos, como o pequenino Povo de Deus entre as potências do antigo Médio Oriente, constroem, ao seguirem o «caminho ético» de Deus, uma existência inabalável.

Pela efusão do Espírito de Deus, na morte de Jesus, será ele quem ensinará directamente a cada pessoa e comunidade (Nm 11:29; Jl 3:1; Act 2:17) as orientações éticas e morais a seguir como resposta espontânea ao amor de Deus: Ele «vos ensinará tudo» e «vos conduzirá à verdade plena» (Jo 14:26; 16:13).

Esta pedagogia íntima, pela qual o Espírito grava a Nova Lei directamente sobre a «tábua» do «coração» (Pr 3:3; 7:3; Ro 8:2), tal como Maria perante as atitudes do seu filho (Lc 2:19), protege os discípulos de Jesus de todo o mal, nem que seja com a certeza de que, mesmo sofrendo, «estão nas mãos do Senhor» (Jos 4:24). É por isso que Jesus fala do Espírito Santo como o paráclito, o protector, o advogado, o defensor.

A segurança dos cidadãos não depende de ritos ou magias, da polícia ou do exército, das leis ou dos códigos, mas do respeito sagrado pelos direitos e deveres que o Espírito revela e explica a cada pessoa que procura a Verdade de todo o coração.

 

Ricardo Tavares, In A Crença, 17.10.2014

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