Os velhos somos nós

Por Carmo Rodeia

A Amnistia Internacional alertou esta terça-feira para o “impacto desproporcionado” que o conflito na Ucrânia está a ter sobre os idosos deste país, onde muitos são deixados “para trás” em zonas de combate.

O relatório “I used to have a home” (“Eu costumava ter uma casa”) documenta as dificuldades enfrentadas durante o conflito na Ucrânia pela população idosa, nomeadamente obstáculos no acesso à saúde, habitação e segurança.

Na Ucrânia, as pessoas com mais de 60 anos constituem quase um quarto da população e este grupo regista maior número de feridos e vítimas mortais no atual conflito.

Estas pessoas, com maiores problemas de saúde, enfrentam também severas restrições no acesso a ajuda humanitária nas áreas ocupadas pelas forças russas.

Só entre fevereiro e julho, pelo menos 4.000 pessoas idosas foram colocadas em instituições estatais após perderem as suas casas, de acordo com o Ministério da Política Social.

Sem desvalorizar esta situação que a todos nos deve comover de forma ativa, estes dados fizeram-me soar as campainhas para a situação portuguesa. Cerca de 21% da população portuguesa (julgo que talvez seja já um pouco mais) tem mais de 65 anos e Portugal é um dos países mais envelhecidos da UE. Segundo dados da Pordata, há 153 idosos por cada 100 jovens.

O último Censos Sénior da GNR que consegui encontrar, realizado em 2017, dava conta de mais de 45 mil idosos sinalizados por viverem sozinhos ou isolados, e dados da mesma altura revelam que cerca de 40 por cento da população portuguesa com mais de 65 anos se encontra sozinha durante oito horas ou mais por dia.

Isto é: segundo os últimos números disponíveis, quase um milhão de idosos enfrenta uma situação de solidão ou isolamento, com a consequente falta de cuidados.

Não precisamos de ser muito dramáticos para dizer que estes números não só nos comovem ativamente mas assustam-nos. Desde logo, atendendo a que a solidão e o isolamento social dos mais velhos gera sofrimento, desprendimento pela vida ou estados depressivos, que podem ser fatais.

A questão central, numa sociedade humana e civilizada, é esta: como tratamos, como podemos valorizar os nossos mais velhos? O que é preciso mudar? Que estruturas e modelos assistenciais estamos a desenvolver?

Ontem os nossos deputados aprovaram a legalização da Eutanásia. A ligação a este tema não é demagógica. Nem sequer me passaria pela cabeça associar a facilidade com que uma pessoa, doente terminal pode a partir de agora pedir a morte,  mas quantos dos mais velhos, esmagados pela solidão e pela doença, muitas delas crónicas e insuportáveis, não poderão agora encarar essa solução como possível.

Uma sociedade que prioriza a morte assistida e não promove um debate nacional, comprometido e esclarecido, com o mesmo empenho de tantas forças políticas, sobre as políticas publicas para garantir um envelhecimento ativo, a autonomia física e financeira de idosos, ou a criação de estruturas publicas que garantam tudo e acabem com a vergonha de lares clandestinos e falta de condições em tantos outros legais, não é uma sociedade que se leve a sério.

Recordo-me de um texto que estudei de Alexandre O´Neill assinado em 76, no jornal A Luta : “Eu estou ao lado dos velhos, no limiar deles. Até o trimesinho Afonso, meu filho, com sua desdentadura, velho é e, praza a Deus, velho será. Oxalá se conserve sempre velho, não na decrepitude que o há-de avassalar, mas na sageza. É a necessidade mais elementar que o acicata à comunicação. Tem fome, chora; borra-se, chora; quer colo, chora. Uma perfeição de design da velhice este Afonso! (…)Velhos rolados pelo tempo – esses, sim! Capazes de ficar um dia a olhar para um muro, para um sentimento antigo, não querem perder a pitada que ainda lhes cabe de vida. O resto, para eles, é tralha – a que tiveram ou aquela com que, alienados de juventude, sonharam”.

A prioridade está aqui: criar políticas publicas que nos permitam sonhar sempre, mesmo quando formos velhos. Se fosse capaz acabaria com a palavra: desistir. Foi o que fizemos todos ontem: desistimos de uma parte dos mais frágeis oferecendo-lhes a possibilidade do caminho mais fácil, mas sem retorno. A tarefa dos políticos não deveria ser esta.

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