“Sinto que falta no Natal de hoje a fraternidade e a solidariedade. O Natal cheira demasiado a plástico”- Manuel Costa

Diretor do Museu do Pico, artista e homem da cultura é o entrevistado do programa de Rádio Igreja Açores

Quem acredita e tem fé tem de transformar o Natal com gestos sociais pois aligeirar a interioridade, a espiritualidade e a caridade é tornar o Natal mecânico afirma Manuel Costa, diretor do Museu do Pico que numa entrevista ao programa Igreja Açores fala da sua experiência desta quadra, vivida no Pico, numa família tradicional.

“Sinto que o Natal perdeu a originalidade e a pureza, essa sinceridade e essa verdade que tinha e não o digo com saudosismo” refere o artista que tem um trabalho notável na recuperação das composições musicais mais tradicionais.

“Noto uma grande espectacularidade que não corresponde a essa dimensão pura e sincera dos meus primeiros natais” explicita deixando um pedido para este Natal que decorre num tempo de guerra, dois anos depois de uma pandemia que afastou famílias e amigos.

“Se me é permitido, neste Natal apelava a que as pessoas se aproximassem;  depois de dois anos é bom estar em festa e estar em festa é dar um abraço, estar junto, ser fraterno, não excluindo ninguém, ter compaixão… É isso, o melhor Natal era um grande Natal de amor” avança numa conversa com Tatiana Ourique que pode ouvir a partir do meio-dia deste domingo na Antena 1 Açores e no Rádio Clube de Angra.

“Há uma iconografia que suporta o gesto humano que ainda é a iconografia do Menino, mas a mim cheira-me a vitrine. Sinto que falta no Natal de hoje, a fraternidade e a solidariedade; o artificialismo, a força da imagem, a comercialização de Deus, tudo cheira demasiado a plástico” lamenta.

“Há 50 anos atrás, quando era pequeno, no Pico, esse gesto antropológico, essa humanidade que o Natal nos trazia, era um processo verdadeiro e sincero e hoje esse processo existe mas está ao serviço de uma estratégia comercial, de venda, de marketing” constata sublinhando que “há festas, e nesta, em que estamos diante de uma manifestação de religiosidade profunda, se expurgarmos deste gesto cultural a sinceridade e a verdade sobra apenas museu… como se nós musealizássemos a fé e a esperança. Não sei se gosto e se este Natal é bom”, diz ainda.

Quanto às tradições recorda a Igreja “como um espaço de luz” contrastante com as casas “onde tinha de se poupar para o gerador não ir abaixo”, da grande criptoméria iluminada e da “molha” de carne, acompanhada “pelo pão branco que chegava na camioneta”.

“Era um Natal profundamente religioso, da família, que tinha duas grandes âncoras: a família e a Igreja católica, com a iconografia do nascimento de Jesus- as igrejas edifícios eram o epicentro do Natal e nós amávamos profundamente a Igreja; gostávamos de estar na Igreja,  tinha luz, a criptoméria iluminada com bolas e luzes que não tínhamos em casa, o cheiro a mirra e a incenso,  o perfume das pessoas imaculadamente lavadas, os homens do mar com os cabelos luzidios… Não faço a idolatria romântica e saudosista do passado, mas fui feliz…” diz ainda, passando a pente fino, e de forma critica “a ignorância em que se vivia”, a “bolha social”, a “pobreza e a luta pela subsistência”, a “repressão do Estado Novo” e “um Natal seco, austero e duro, mas muito doce”.

“O meu Natal é isto: um Natal muito nu em carne viva, duro como era a nossa vida e a dos nossos pais: uma luta tenaz pela sobrevivência e o Natal era o momento de luz, era o momento de tudo, uma espécie de luz ontológica, que nos consolava. Naqueles dias a Igreja era viva, não era um espaço de fechamento, era uma casa de espetáculos onde vivíamos como não vivíamos em casa”, conclui.

Esta entrevista vai para o ar este domingo no Rádio Clube de Angra e na Antena 1 Açores, depois do meio-dia.

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