Pode o Céu ser tão longe?

Por Carmo Rodeia

Peço de empréstimo ao Pedro Abrunhosa o título deste meu Entrelinhas para falar do Dia Mundial dos Pobres, instituído pelo Papa Francisco no final do Ano Santo da Misericórdia. Uma data que nos remete para muito mais longe do que um simples Dia ou a memória de uma efeméride. É todo um programa de pontificado que não nos deixa- não pode deixar-nos- indiferentes. Aliás, o Papa lembrou-nos na Eucaristia que não devemos descartar-nos das pessoas “na corrida dos tempos”.

“Com a mania de correr, de dominar tudo e imediatamente, incomoda-nos quem fica para trás; e consideramo-lo descartável. Quantos idosos, nascituros, pessoas com deficiência, pobres. Considerados inúteis. Vamos com pressa, sem nos preocuparmos que aumentem os desníveis, que a ganância de poucos aumente a pobreza de muitos”, disse Francisco.

E, prosseguiu: “Então ponhamo-nos a questão: Eu ajudo alguém, de quem nada poderei receber? Eu, cristão, tenho ao menos um pobre por amigo?” . Francisco recordou que os mais desfavorecidos “são preciosos aos olhos de Deus, porque não falam a linguagem do eu: não se aguentam sozinhos, com as próprias forças, precisam de quem os tome pela mão”.

Esta última afirmação do Papa, especialmente esta última, remeteu-me para uma questão mais ampla que é a da fragilidade humana: quantas mãos deveriam ser levadas sem que nós consigamos vê-las, mesmo ao nosso lado.

Em junho deste ano, a Revista da Associação Portuguesa de Sociologia, apresentava um texto do professor Fernando Diogo, da Universidade dos Açores, intitulado “Algumas peculiaridades da pobreza nos Açores” que afirmava: os Açores “são a região portuguesa que apresenta a maior taxa de pobreza e ao mesmo tempo, um maior número de beneficiários do Rendimento Social de Inserção, em função da população residente”; entre “2009 e 2014 houve um aumento abrupto (da pobreza), muito acima do aumento médio nacional”; “um em cada três residentes é pobre”;  os Açores “são a segunda região do país com maior desigualdade de distribuição de rendimentos, logo a seguir a Lisboa” e “a pobreza é um problema especialmente grave nesta região”.

O estudo está disponível on line (https://revista.aps.pt/pt/algumas-peculiaridades-da-pobreza-nos-acores/) para quem quiser consultá-lo; por isso não irei deter-me mais no artigo.

Numa altura em que vivemos uma caminhada sinodal, que é por definição um período de auto-conhecimento e de reflexão sobre a nossa realidade e o nosso mundo, e a relação de ambos com o resto da humanidade, todas as campainhas têm de tocar.

Regresso a uma outra Canção de Pedro Abrunhosa para perguntar: “Será que fiz tudo o que podia?/ Nas tormentas temos de ser luz firme dos outros/ a luz de quem precisa/ Pode ser um coração, uma sarça ardente”…

Há muito tempo que na nossa região, apesar do muito que se tem feito, com programas de erradicação da pobreza, com ações de requalificação profissional e pessoal, vivemos numa espécie de anestesia: a Região cor de rosa que se pinta e outra que se vive.

A pobreza nos Açores é um problema social incontornável, dado o elevado número de pessoas que nela se encontra.

Regresso ao estudo citado, que diz que a pobreza concentra-se sobretudo na ilha de São Miguel e em muito menor grau na ilha Terceira. Em termos absolutos e relativos. E, São Miguel tem sido a ilha onde , por variados motivos que só os votos conseguirão explicar, mais programas de luta contra a pobreza, de investimentos, de projetos inovadores de criação de emprego, requalificação e por aí fora, têm sido desenvolvidos… Tudo aquilo que possam imaginar e que nos é vendido como sinal e sinónimo de desenvolvimento.

O que é que não bate certo? Aquilo que o Papa Francisco tem alertado: É preciso reformar o modelo de desenvolvimento. Nos Açores e no mundo. O triunfo do capitalismo não nos levou ao paraíso. Nem no mundo nem nos Açores. Lembramo-nos da expressão contida na Alegria do Evangelho sobre a “economia que mata”. É preciso um contributo cristão para a humanização de um mundo que ameaça cair na desumanidade, como o Papa bem fez notar. E os Açores não escapam a esta exigência. Para que o Céu não fique tão longe, para alguns!

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