Sozinho(s) em casa

Por Carmo Rodeia

Peço de novo emprestado o título da minha crónica ao cinema, desta vez a Chris Columbus, que realizou um filme em 1991, “Sozinho em Casa”, retratando ao jeito da comédia, um quase improvável esquecimento de uma criança pela sua família que parte para férias e se esquece de um dos seus membros em casa, ainda por cima no Natal.

E que bom seria se muitos dos abandonos fossem assim e nos fizessem rir. Infelizmente quase nunca é assim.

Portugal é dos países da Europa onde as pessoas idosas são mais abandonadas, com menos profissionais a elas dedicados e menos dinheiro alocado aos seus cuidados.

Os dados são da Organização Internacional do Trabalho (OIT), relativos a 2015 e fazem a comparação de 46 países. Portugal faz o pleno: tem uma das mais baixas taxas de cuidadores por idoso; tem também o produto interno bruto destinado aos cuidados dos idosos mais baixo da Europa. Além disso, num país que possui 56 mil organizações sociais e mais de 20 mil iniciativas público-privadas de resposta a problemas sociais, há 40 mil idosos em Portugal que vivem sozinhos, em lugares isolados e sem qualquer proteção. 400 mil est\ão em situação de grande vulnerabilidade.

E sobre isto, confesso, ainda não vi qualquer manifesto nem de VIPS´s nem de anónimos. Nem sequer vi a questão, já demasiado falada na comunicação social- todos os anos a GNR realiza a “operação censos sénior” no mês de abril- merecer mais do que a notícia do dia. Como se deixar alguém abandonado à sua sorte, sobretudo quando se está numa idade vulnerável, não levantasse problemas de dignidade. Envelhecer de uma forma digna não é problema nem prioridade; apenas o é morrer de uma forma digna.

Que sociedade é esta que estamos a querer construir, onde a morte pode merecer mais dignidade do que a vida? Ou que a morte esteja no top das prioridades em vez da vida com qualidade e dignidade?

Num tempo em que tanta coisa nos divide, deve unir-nos,  ao menos, o sofrimento dos outros e o pavor de nós próprios virmos também a sofrer. Mas a terceira idade não é um tema fraturante, porque sempre houve velhos e gente para tomar conta deles, mesmo que vivam sem afetos, sem aconchego ou sem família.

Se mais ninguém abraçar esta causa pelo menos que sejamos nós igreja a torna-la prioritária: para nós e para os outros.

O diagnóstico está feito: o envelhecimento das populações; o isolamento provocado pelo êxodo rural; a cultura de apatia e indiferença, que leva ao descarte…Para cada um destes problemas existem respostas, umas melhores que outras, mas no final todas escassas.

Em Lisboa ou no Porto, nas pequenas e grandes cidades também há muita gente sozinha. Profundamente isolada, por morar em prédios antigos sem elevador, por viver sem rendimentos mínimos, por não ter saúde, não ter família nem amigos, e não conhecer sequer os próprios vizinhos.

Ainda está bem presente a  triste história da idosa que esteve 9 anos morta em sua casa, sem que ninguém desse pela sua falta. É aflitivo e deve fazer-nos corar de vergonha. O problema é que ainda na semana passada ficamos a saber de mais uma senhora que mora no centro de Lisboa, num prédio dito normal, num bairro aparentemente sem problemas, que ficou 3 dias e 3 noites estendida no chão, sem se alimentar, cuidar, dormir ou pedir socorro, porque tropeçou no tapete de casa e caiu no chão…

Um dos  Conselhos de Ministros de setembro de 2015 aprovou uma estratégia de protecção do idosos, no qual se prevê que o abandono dos mais velhos se torne crime punível por lei. Mas ainda carece de regulamentação.

Quem sabe um dia alguém possa levar o assunto ao parlamento, em vez do direito a morrer com dignidade… afinal é só uma questão de dar prioridade áquilo que é prioritário : a vida, com dignidade.

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