Linguagem da Igreja “tem de ser revista” no que concerne aos CPM´s

A opinião é do responsável pelos Centros de Preparação para o Matrimónio (CPM´S) na ilha Terceira

Padre há 33 anos, o Cónego Gregório Rocha tem estado desde sempre ligado à pastoral familiar, seja na preparação para o casamento (onde está há dois anos) seja no acompanhamento de vários movimentos da família, como as Equipas de Nossa Senhora. Nesta Semana da Vida, em que os Cristãos são também convocados a fazerem da família o primeiro “centro de educação” para a vida e para o matrimónio, o Sítio Igreja Açores foi perceber as razões que levam a que cada vez menos jovens queiram celebrar este sacramento (nos Açores em 2013 apenas 469 o fizeram, menos cem que no anterior); que o façam depois de uma experiência pre conjugal ou pura e simplesmente vivam em união de facto.

Para o sacerdote, que é diretor espiritual no Seminário Episcopal de Angra, a “crise de valores”, “o individualismo” e a “falta de fé” são explicações que a Igreja tem de estudar, juntamente com uma “revisão da sua linguagem”, “centrando a mensagem em Jesus Cristo” e “vivendo-

Sítio Igreja Açores- A Diocese de Angra tem registado uma redução do número de casamentos católicos, menos acentuada que no Continente, mas ainda assim digna de registo. Onde é que a Igreja está a falhar na forma como sensibiliza para o matrimónio?

Cónego Gregório Rocha– Há vários aspetos que podemos enunciar mas a grande falha está no modo como nós fazemos a catequese hoje. Muitos dos jovens que chegam à catequese vêm de famílias onde a presença dos valores humanos e cristãos já não é tão acentuada nem vivida da mesma forma que noutros tempos. Os próprios pais não viveram a vida de igreja. Muitos destes jovens passam pela catequese paroquial de forma rápida, obrigados pela família, porque se criou a ideia, não sei bem porquê de que quem não for crismado, por exemplo, não pode casar pela igreja, outros nem isso. Há, por outro lado, também uma menor participação nos grupos de jovens o que faz com que muitos não tenham uma vivência cristã mais profunda. Acresce tudo isso, naturalmente também alguma responsabilidade nossa. A linguagem, por exemplo, se calhar tem de ser revista, simplificada, clarificada e mais centrada em Jesus Cristo. Aliás, este é um desafio que se coloca, não só no relacionamento com os jovens mas também com as pessoas em geral. Simplicidade e clareza na apresentação da proposta de Jesus é o que temos de fazer, e se calhar não o temos feito.

 

Sítio Igreja Açores- O que é que tem falhado para fazer com sucesso aquilo que é suposto fazer há mais de dois mil anos?

Cónego Gregório Rocha- Creio que fundamentalmente perdeu-se uma centralidade dos valores humanos e , por conseguinte, também dos valores cristãos. Claro que não podemos aligeirar as nossas responsabilidades, nomeadamente ao nível dos meios que utilizamos para difundir esses valores e para os testemunharmos, mas a verdade é que esta chamada crise de valores tem sido determinante para esta situação. Há, por outro lado, uma desmotivação em relação aos valores e isso deve-se a um individualismo e relativismo que se vive na sociedade de hoje. O Papa Bento XVI insistiu muito neste tema e aqui é que está a grande falha. A Igreja tem, por isso, a obrigação de refletir como é que pode apresentar o Evangelho a esta sociedade tão marcada pelo individualismo e pela indiferença, que nem sequer sente a necessidade da procura de valores.

 

Sítio Igreja Açores- A Igreja tem tantos movimentos e tantos instrumentos para os jovens antes e depois do casamento  e sendo a mensagem do evangelho tão atual e pertinente, é legitimo perguntar: é a forma como o comunicamos que está a falhar?

Cónego Gregório Rocha- Os movimentos existem só que aqueles que movimentam mais pessoas, não têm sido eficazes por causa, possivelmente, das movimentações que levam essas pessoas a participar. Sou da opinião que os pequenos grupos são mais eficazes e têm conseguido ir mais além. E dou dois exemplos os CPM´s e as Equipas de Nossa Senhora.

As pessoas que chegam aos CPM´s chegam com uma motivação completamente desfasada daquela que era a intenção da Igreja quando os pensou e os quis oferecer aos noivos. Qualquer casal que queira contrair matrimónio dirige-se à paróquia que lhe exige que frequente o CPM. Logo, ele frequenta porque é obrigatório. À partida qual é a abertura que ele tem para receber alguma coisa? E, se os temas estão desatualizados relativamente áquilo que é a realidade deles saem como entraram sem motivação e, sobretudo, sem vontade de continuar uma formação que deveria ter sido despertada pelo CPM. Com as Equipas, pelo contrário o facto de estarmos perante um grupo pequeno, onde a capacidade de partilha é outra, os resultados também podem ser outros.

 

Sítio Igreja Açores- A realidade hoje também é um pouco diferente. A maioria dos jovens que casam já tiveram uma experiência pré conjugal…Como é que a igreja lida com isto?

Cónego Gregório Rocha- É verdade. E situando-me na Terceira diria que dos 30 casais que habitualmente frequentam o CPM, 25 já fazem vida juntos; um ou outro até já tem filhos. A pergunta é porque é que vêm nesta altura pedir este sacramento e as razões que nos apresentam são variadas mas todas muito superficiais e nenhuma delas baseada em questões de fé. Há um ou dois que realmente vêm em, busca do sacramento por fé, mas em regra vêm por questões culturais, porque a família quis ou porque um deles sempre desejou casar na Igreja. São eles que dizem… e quando é assim, obviamente que não pode haver continuidade. Pode ser que um seja despertado no CPM mas dificilmente a maioria continuará ligada e comprometida com a vida religiosa.

 

Sítio Igreja Açores- O cristianismo também começou em pequenos grupos…

Cónego Gregório Rocha- Nem mais…No inicio estávamos perante pequenos grupos, pequenas comunidades que se foram estruturando e alicerçando até chegar as massas. Eu acho que se calhar chegou a altura da Igreja se debruçar sobre isto e ter a coragem de deixar de se preocupar com as massas e procurar formar pequenos grupos, seja de preparação para o matrimónio sejam as equipas… mas sempre a partir de motivações comuns. Só as motivações unem as pessoas e o entusiasmo de umas pode conduzir ao envolvimento de outras. O que notamos é que por exemplo há casais que integram equipas que foram motivados por outros. Por isso, diria em síntese, que o problema hoje è a falta de motivação para viver diversos carismas e que pela sua presença e testemunho desperte o interesse de outros.

 

Sítio Igreja Açores- Mas as pessoas quando querem participam. O individualismo não explicará tudo…

Cónego Gregório Rocha- É claro que não explica tudo. Também já há alguma falta de fé, assente numa falta de formação cristã; de uma fé que seja compromisso com a vida. Ora se as pessoas têm esta dificuldade depois nada disto funciona e as pessoas não sentem qualquer tipo de motivação para participarem. Como é que podemos ultrapassar? Bom, a fé desperta-se e aprofunda-se com a escuta da palavra. A Igreja se calhar pre cisaria de aprender a proclamar a palavra de Deus; reaprender a propor esta palavra de Deus, de tal modo, que ela vá de encontro à vida das pessoas, que lhes diga algo e as motive…

 

Sítio Igreja Açores- Mas nunca se falou tanto no Evangelho…

Cónego Gregório Rocha- A proposta de Jesus Cristo faz-se vivendo-a. E é certo que nunca se falou tanto do Evangelho e de Jesus, mas o problema é que falamos só com palavras e não com a vida. O segredo do papa Francisco é esse: ele não diz nada que todos os seus antecessores não tenham dito. Fá-lo de uma forma diferente e num contexto diferente. A igreja tem de encontrar essa forma que não será mais do que cada um de nós, eu como padre, proclamar essa palavra e vivê-la da forma mais coerente e transparente possível. E isto é transversal a todos os cristãos. Dói assumir isto mas é necessário…

 

Sítio Igreja Açores- Estamos em vésperas de um Sínodo sobre a família. O que espera dele?

Cónego Gregório Rocha- Fundamentalmente que haja a concretização de sabermos acolher todos em todas as situações, especialmente as famílias feridas e, em situações mais burocráticas, que sejamos mais compreensíveis e flexíveis para que não provoquemos com os nossos entraves mais amargura e problemas na vida dessas famílias. É óbvio que o Papa não pode fabricar soluções à medida das nossas necessidades enquanto igrejas particulares, nem se espera isso.

Mas penso que é possível dar mais atenção e acompanhamento a estas situações menos comuns, mas de maior complexidade e, sobretudo, fragilidade.

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