Pe Cipriano Pacheco analisa lugar de Deus na obra de José Enes

Colóquio sobre a vida e a obra do primeiro reitor da Universidade dos Açores decorre em dois andamentos

A partir de uma reflexão sobre o livro “À Porta do Ser”, de José Enes, o ex Vigário Episcopal para São Miguel disse esta terça feira, num colóquio sobre o pensamento e a obra do primeiro Reitor da Universidade dos Açores, que decorre em Ponta Delgada que uma das virtudes do autor é “colocar a questão de Deus como uma questão do homem”.

“O Ser humano, sendo um ser finito, é ao mesmo tempo, um ser aberto ao infinito, revelando-se como um ser capaz de perguntar sobre o sentido último da existência” disse o Pe Cipriano Pacheco.

“De onde venho, para onde vou, que faço aqui, porque existe o mal, porque há algo de preferência a não existir nada ou o que me espera, são questões que mostram o ser humano como ser inacabado e, por isso, portador de um desejo infinito que nada de finito o pode totalmente preencher”, afirmou.

Numa conferência intitulada “Quando o ser é dicção de Deus, à Porta do Ser é o seu lugar de acesso”, o Pe Cipriano Pacheco, que atualmente é pároco in solidum em três paróquias do concelho da Praia da Vitória na ilha Terceira, e docente de filosofia no Seminário Episcopal de Angra, fez uma abordagem do fenómeno religioso como  “realidade ontologicamente fundada na  condição do ser humano enquanto tal, isto é, como um ser portador de uma abertura ao que o transcende, ao ponto de ser capaz de se interrogar sobre Deus”.

O sacerdote percorre o pensamento de José Enes a este propósito a partir desta obra e também da “Linguagem e ser” (outra obra do autor), lembrando que é nesta ordem de ideias “que podemos ser confrontados com a designada questão de Deus como questão do homem”.

O Pe Cipriano Pacheco relembra que o acesso ao ser, segundo José Enes, “dá-se mediante o intuito” e “não por meio da razão”, exprimindo-se “na admiração e no espanto”, o que faz com que a experiência de Deus, por exemplo, saia do âmbito da razão embora permaneça no do pensamento, o que acaba por conflituar com uma certa tendência para a absolutização da fé.

“Ao deixar clara a impossibilidade da concetualização do ser pela razão, sendo a maravilha e o espanto os primeiros acompanhantes do aparecimento ontológico, quando o pensar se liberta da servidão racional, é aí que entra o mistério”, que “nos aproxima do Deus bíblico cristão”.

Para ilustrar este pensamento do autor, o Pe Cipriano Pacheco alude ao episódio bíblico em que Deus se revela a Moisés para concluir que quando Ele responde a Moisés “Eu serei o que serei” percebemos que “estamos diante de um Deus que não cabe num conceito e não se esgota numa discursividade racional, de tal modo que o conhecimento de um tal Deus não se encerra em afirmações, conceitos ou juízos de ordem racional”.

O Pe Cipriano Pacheco destaca, ainda, que este Deus “é um ser que se dá a ver, que se mostra” através de “gestos e atitudes e, particularmente através da sua palavra que uma vez feita carne vai ser a revelação plena do seu ser e do seu projeto sobre o mundo e sobre os humanos”.

Deus “não pode ser captado racionalmente” antes “se deixa encontrar numa procura expetante, típica do crente na condição de peregrino, que vive a fé na busca de um Deus que surpreende sempre”.

E depois, conclui que, na relação dos humanos com Deus “estar à porta e bater, na espera de que alguém a abra, significa não ter a posse ou o domínio do que a Deus pertence, mas é também o lugar adequado para ser convidado a entrar”.

Por isso, sublinha, “quando o ser de um Deus como o Deus da fé cristã se revela ousando bater à porta dos humanos dispondo-se a partilhar a sua mesa tudo leva a crer que a feliz expressão de José Enes indica o lugar privilegiado para o acesso do ser humano ao encontro com Deus e o mais adequado à dicção do seu mistério.”

Este colóquio, dedicado ao estudo do significado filosófico, cultural, político e pedagógico do pensamento e da obra de José Enes , que faleceu há dois anos, tem uma organização conjunta do Instituto de Filosofia Luso-Brasileira, da Universidade dos Açores, da Universidade Católica Portuguesa e da Casa dos Açores em Lisboa.

Começou na noite do dia 26 com o lançamento da reedição de uma obra do autor , em Ponta Delgada ; prossegue na Universidade dos Açores e depois na Universidade Católica e termina na Casa dos Açores em Lisboa, no dia 30.

José Enes, presidente do grupo fundador da Universidade dos Açores, e seu primeiro Reitor, é um dos vultos maiores da intelectualidade portuguesa contemporânea. Tendo a filosofia como seu substrato de pensamento, os Açores como a sua paixão e o estudo e a investigação como seus horizontes de saber, José Enes procurou constantemente o acesso ao Ser.

Ao longo de quatro dias de trabalho, especialistas nacionais e estrangeiros, procuram interpretar o pensamento de José Enes, pretendendo focar diversos aspetos, temas, perspetivas, interpretações e apropriações do seu pensamento, bem como alguns episódios interessantes de uma vida dedicada ao estudo, à reflexão e à promoção social e cultural do arquipélago.

José Enes foi um dos fundadores do Instituto Açoriano de Cultura, um dos mentores das Semanas de Estudo e professor no Seminário Episcopal de Angra.

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